Troika, feminismo e clima: Os protestos nos cartazes do arquivo Ephemera que Helena Sofia Silva mostra no Porto

A exposição ‘Que Força é Essa – Protesto e Participação Democrática em Portugal: Cartazes Artesanais do Arquivo Ephemera‘, com curadoria de Helena Sofia Silva é um dos destaques da programação da primeira edição do Porto Design Biennale, que decorre até 8 de dezembro, no Porto e em Matosinhos.

A primeira bienal de design da cidade invicta é subordinada ao tema Post Millennium Tension, concebido pelo curador-geral José Bártolo e tendo “como premissa pensar o design nas tensões do novo milénio e refletir sobre a forma como ele interage com problemas concretos que afetam os nossos dias e o nosso futuro próximo”, refere a informação sobre o evento.

É neste contexto que se insere a exposição que exibe parte do arquivo de cartazes artesanais do arquivo Ephemera, do político e historiador José Pacheco Pereira. Recolhidos ao longo dos últimos sete anos, estes cartazes únicos, feitos e utilizados em ações pacíficas de protesto e participação democrática em Portugal, documentam o período da troika, mas também os protestos do movimento feminista dos últimos dois anos e os mais recentes, contra as alterações climáticas. São estes os três núcleos orientadores da exposição, que seguem a organização da sétima edição da coleção Ephemera, publicada pela Tinta-da-China e à venda, nas livrarias a partir desta sexta-feira, 27 de setembro.

O livro, com edição de Helena Sofia Silva, de 43 anos, e mais recente volume da coleção é dirigida por Pacheco Pereira, funciona quase como um catálogo do que está exposto na bienal, como explica a curadora, em entrevista ao Delas.pt.

“O sétimo volume [da coleção] que apresentámos no domingo [dia 22 de setembro], na Feira do Livro do Porto, é dedicado exclusivamente aos cartazes artesanais. E a sua estrutura é a da exposição, porque aquilo que pretendemos fazer foi estabelecer uma correspondência. Esta exposição não tem um catálogo convencional, o “catálogo” é esse volume, que integra a coleção Ephemera, da Tinta-da-China”.

Capa do sétimo volume da coleção ‘Ephemera’ (€18,90)

 

Assim, aos três capítulos do livro, intitulado Que Força é Essa correspondem os três núcleos da exposição, onde são exibidos 241 artefactos, sobretudo cartazes, mas também faixas e outros objetos especiais.

“Decidimos agrupar os cartazes nessa estrutura tripartida. A primeira chama-se ‘Trabalho, Troika e Tudo’ e reúne objetos que são os mais antigos das primeiras manifestações contra a austeridade e a troika, de 2021 e 2013, e vai até aos 1º. de Maio de 2018 e 2019. De Lisboa e Porto, maioritariamente”, refere Helena Sofia Silva. Além disso, este primeiro núcleo agrupa igualmente “alguns materiais das manifestações populares do 25 de Abril, de 2016 e 2017”. “É um núcleo que tem mais a ver com questões de ordem socioeconómica”, resume.

Helena Sofia Silva no ponto de recolha do arquivo Ephemera no Porto, em 2018 [Fotografia: André Rolo / Global Imagens]

O segundo núcleo, que a curadora considera “muito expressivo”, é dominado pela expressão nas ruas do feminismo e movimentos associados. “O capítulo do livro chama-se ‘Feminismo e LGBTI’, embora, na verdade, a maior quantidade de artefactos que temos tenha a ver com manifestações feministas. Falo desde a Marcha das Mulheres, que se estendeu aqui a Portugal, em janeiro de 2017, passando pelas manifestações contra os polémicos acórdãos [em casos de violência doméstica e sexual], até à mais recente greve feminista internacional, que este ano se realizou pela primeira vez em Portugal”.

Por último, a exposição faz eco das mais recentes manifestações contra as alterações climáticas, que têm sido protagonizadas, sobretudo pelos estudantes.

“O terceiro núcleo é dedicado à emergência climática e tem materiais das marchas mundiais contra as alterações climáticas, mas, naturalmente, das que se realizaram em Portugal, no Porto e em Lisboa, em 2017 e 2018, e das mais recentes greves climáticas estudantis. Nesse núcleo, provavelmente, a quantidade mais expressiva de artefactos que temos é a das greves climáticas estudantis”, explica a também docente e investigadora em design.

Na terça-feira, 24 de setembro, elementos da organização da Greve Climática Estudantil, marcada para esta sexta-feira, realizaram uma oficina de cartazes, no espaço que acolhe a exposição.

Da “mostra” do Barreiro para a “exposição” do Porto

O conjunto de cartazes do arquivo Ephemera, exibido na bienal do Porto, parte da mostra de 2018 do Barreiro, fazendo uma revisão e tendo como foco os protestos nacionais, ainda que muitos sejam inspirados e ramificações de movimentos globais e internacionais.

“São os mesmos cartazes artesanais, mas fizemos uma seleção. Retirámos, por exemplo, coisas que mostrámos no Barreiro, como cartazes recolhidos no estrangeiro e que estão ausentes agora desta exposição. Aqui no Porto temos só cartazes feitos e exibidos em Portugal, ainda que um ou outro possa ter sido feito por cidadãos estrangeiros. Mas foram feitos e exibidos – e recolhidos – em manifestações portuguesas, e agora são apresentados de uma forma distinta”.

Ao contrário do que aconteceu no Barreiro, onde as obras se adaptaram ao espaço existente e ao cenário por ele naturalmente proporcionado, na bienal construi-se “uma exposição de raiz”. Daí que a primeira seja designada, pela curadora, de “mostra”, ficando o outro termo – exposição – reservado para a bienal, em que a apresentação dos cartazes foi pensada para o espaço que lhe foi atribuído, a Casa da Arquitetura, a organização foi diferente – três núcleos – e a seleção dos objetos mais apurada.

“Em 2018, o que fizemos foi olhar para o espólio existente, procurar uma lógica simples, minimalista em termos curatoriais, que permitisse alguma organização e que os mostrou in loco, no próprio armazém [no Barreiro]. De abril de 2018 até hoje, o espólio aumentou e aquilo que apresentamos no contexto da bienal não é a mesma exposição, há uma revisão”, diz Helena Sofia Silva.

Essa revisão inclui novos elementos, que não estavam na mostra anterior, como fotografias e vídeos pertencentes também aos arquivos Ephemera. Assim, a acompanhar os cartazes de cada núcleo, patentes na exposição do Porto, há instalações audiovisuais que “os pontuam e contrapõem”, que permitem contextualizar os protestos que esses objetos ilustram e de onde foram recolhidos.

“Associado a cada núcleo temos uma montagem audiovisual com imagens das manifestações onde os cartazes que estão em frente foram utilizados”.

‘Que Força é Essa – Protesto e Participação Democrática em Portugal: Cartazes Artesanais do Arquivo Ephemera‘ está em exibição ao público, até dia 8 de dezembro, na Casa da Arquitetura, em Matosinhos. A entrada é gratuita.