#metoo: Sindicato não tem queixas de assédio mas “não quer dizer que não aconteça”

carla Bolito
Fotografia: DR

Carla Bolito, atriz e membro da direção do Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, do Audiovisual e dos Músicos (CENA -STE), diz que se há situações de assédio no trabalho, elas não chegam a ser reportadas à estrutura.

O tema do assédio sexual em Portugal ainda permanece um tabu em várias áreas profissionais. Na arte da representação vão-se sabendo de cada vez mais casos, mas sem que sejam apontados culpados. E denúncias nas instâncias próprias também não há. Carla Bolito, atriz e sindicalista afirma:

“Não tenho conhecimento de o sindicato ter recebido alguma queixa, nem me lembro de ter-me sido reportada alguma situação”, refere, acrescentando que também desconhece qualquer pedido para “intervenção” da estrutura nalgum caso do género.

A campanha de sensibilização contra o assédio no trabalho, onde se pode incluir o assédio sexual, faz parte dos objetivos deste ano do CENA-STE. Segundo Carla Bolito, esse propósito, que já “vinha desde o ano passado”, é um pressuposto que todos os sindicatos afetos à CGTP – central sindical na qual o CENA-STE se insere – devem cumprir, transmitindo “essa informação aos seus associados”.

“Quanto maior a precariedade mais se extrapola o limite em coisas que já são forma de violentação, e que podem até incluir o assédio no trabalho e uma espécie de coação”

No sindicato, refere, a maioria das queixas diz respeito a “atrasos de pagamento, dívidas, porque não há contratos de trabalho, é tudo recibos verdes”. A atriz não nega que essa instabilidade financeira possa contribuir para outros silêncios. “Quanto maior a precariedade mais se extrapola o limite em algumas coisas que já são forma de violentação, e que podem até incluir o assédio no trabalho e uma espécie de coação”.

Apesar da ausência de denúncias à estrutura que representa os trabalhadores das áreas do espetáculo, a atriz ressalva que “não quer dizer que não aconteçam” e lembra as declarações recentes de Catarina Furtado e Dânia Neto. Diz conhecer pessoalmente situações que se passaram com amigas suas, sem especificar se são ou não atrizes e sem entrar em detalhes e hesita em assumir com exatidão se considera que foi ou não alvo de assédio sexual no trabalho, porque “às vezes é uma fronteira muito ténue, às vezes há determinados castings em que nos começam a pedir umas coisas…“. Carla Bolito recorda um em que a meio lhe perguntaram se tinha “problemas em estar nua”. Respondeu que não, se o papel o pedisse. Foi então que lhe perguntaram se podia despir-se: “podes mostrar?”. A atriz respondeu que se ficasse com o papel e se fosse necessário o faria, naquele momento não fazia sentido. “Ou seja, eu consegui ‘resolver’ a situação”, recorda.

Regresso ao puritanismo?

Se por um lado a exposição do corpo, eventualmente necessária a um papel ou a uma performance, pode ser usada como desculpa para avanços indesejados, por outro, ressurge, na opinião pública, o puritanismo e o ataque a qualquer forma de nudez da mulher.

Carla Bolito prepara-se para levar ao palco, no espetáculo Cabarética, a vida de Kiki de Montparnasse, a modelo que posava nua para pintores e fotógrafos, ícone dos clubes noturnos da Paris dos anos 1920 e pioneira de uma certa libertação sexual feminina. A propósito da personagem, e comparando com o que passa atualmente, a atriz lembra que, ao longo dos tempos, para cada avanço na emancipação sexual feminina houve uma reação conservadora, fosse em 1920 ou na década de 1960. Por isso, considera que esta fase atual é transitória, até os dois extremos se atenuarem.

“Surge logo, com muita facilidade e veleidade, o ‘agora, passado tanto tempo é que as mulheres vêm falar?’ Como se fosse um assunto fácil.”

“Como pela primeira vez se está a falar desses abusos e desse assédio que acontece no trabalho, é natural que apareça também muito extremada a reação oposta e esse puritanismo. Pela primeira vez está a falar-se disto e também surge logo, com muita facilidade e veleidade, o ‘agora, passado tanto tempo é que as mulheres vêm falar?’ Como se fosse um assunto fácil.”

Por isso, acredita que este puritanismo relativamente à exposição do corpo, “que sempre existiu”, mas que está “mais extremado como uma forma de reação”, seja um “momento de passagem, temporário até as coisas se ajustarem”. “Acho que não nos vamos transformar de repente numa sociedade onde as mulheres andam todas tapadas. Nós não temos essa tradição, religião ou costumes. É uma fase intermédia e é normal haver esses extremos”, conclui.

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