#delasexplica: Como é que pena suspensa é castigo?

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Este palavrão volta a estar, mais do que nunca, na ordem do dia. As mulheres regressam estes dias às ruas de vários pontos do país e a ligar os megafones para se manifestarem contra um acórdão que recorre a esta pena (de cerca de cinco anos), desta vez quando está em causa a violação de uma mulher em estado inconsciente por parte de dois trabalhadores de um estabelecimento de diversão noturna de Vila Nova de Gaia.

Esta não é a primeira vez que a atribuição de uma pena suspensa em casos de crimes de violência sexual e doméstica sobre mulheres volta a indignar a opinião pública. Quem não se recorda do acórdão polémico que manteve a pena atribuída em primeira instância ao marido que bateu na mulher com uma moca com pregos por esta ser adúltera. Um texto que usava a Bíblia e o Código Penal de 1886 para justificar as atenuantes do crime cometido sobre a mulher.

O jurista que defendeu igualdade das mulheres… em 1557

Também Manuel Maria Carrilho foi condenado a quatro anos e meio de pena suspensa por crimes de ameaça, violência doméstica e difamação.

Por isso, o Delas.pt ouviu uma advogada, que preferiu o anonimato, e citou Carolina Girão, juiz representante da Associação Sindical de Juízes Portugueses (cujo presidente coassina este acórdão polémico), em declarações à TVI 24, no programa SOS, de 25 de setembro, e no qual fez referência ao filme de Pedro Almodôvar Fala Com Ela para contextualizar as justificações dadas neste acórdão sobre uma violação de uma mulher em estado de inconsciência.

“Apelo à memória cinematográfica das pessoas e ao filme Fala com Ela, de Pedro Almodôvar. O caso de um enfermeiro que cuida de uma paciente que está em coma duradouro e, às tantas e a certa altura, abusa sexualmente dessa paciente e ela acaba por engravidar. Este é o mesmo crime que está aqui em causa. As pessoas sabem que as gravidades são diferentes, as motivações são diferentes”, referiu. E alegou que o exemplo servia apenas para explicar que “a vida é rica em situações particulares e ao juiz cabe fazer um adequado equilíbrio entre a posição da vítima e do arguido e tentar a justiça do caso concreto“.

O que é a pena suspensa? É uma condenação, mas que depois é suspensa na sua efetividade e na condição de o arguido não voltar a cometer um crime do mesmo tipo e da mesma natureza, durante o tempo previsto na sentença. Segundo Carolina Girão, trata-se é uma punição para “crimes -independente da natureza dos mesmos -que desencadeiem uma pena de prisão não superior a cinco anos”, referiu em declarações ao programa da TVI 24.

Como se cumpre? Não reiterando o crime durante o período previsto.

Caso volte a cometer esse crime, o que acontece? Terá de cumprir a pena à qual foi condenado na prisão.

Como pode a pena suspensa ser uma condenação? A pena existe sempre. Entende-se é que há fatores que levam a que a prisão não seja a pena mais eficaz. Como a pena suspensa paira sempre sobre o arguido, o juiz entende, que no caso em concreto, a sentença é suficiente para que não reitere o crime. De acordo com Carolina Girão, no caso concreto deste acórdão sobre os dois homens que violaram uma mulher inconsciente e demonstraram não ter arrependimento, refere que “é a lei, não é o juiz, que diz que a prisão só é aplicada em último recurso, só é aplicada se outras penas – como a suspensa – não forem suficientes”. E prossegue: “Olhando para aquela pessoa, o juiz vê no percurso anterior e posterior aos factos se é possível responder a esta questão: ‘será que relativamente a esta pessoa eu tenho a esperança fundada que ela prossiga a sua vida sem cometer crimes?’ Porque é isso tudo que nos interessa, é isso que à comunidade interessa.”

Que fatores levam à aplicação da pena suspensa? Há fatores que levam o magistrado a entender que só o facto de o mesmo ter passado por julgamento e ter tido uma condenação, é, per si, suficiente para o condenar e demover de novo crime. O facto de o arguido ter, por exemplo, um filho a cargo ou de ser o agente da sobrevivência de um agregado familiar pode levar à escolha desta opção.

O cumprimento da pena suspensa fica adiado durante o recurso da decisão para tribunal superior? Sim. Até vir a decisão do recurso é como se o tempo para cumprir a pena não contasse. Há casos em que pode não ser assim, depende do tipo de crime. Até à decisão final, a pena suspensa fica adiada e pode até ser alterada. Se no recurso ficar decidida nova pena, é essa que será cumprida.

Porque se recorre tanto à pena suspensa? Pode entender-se que a prisão efetiva possa não ser o melhor lugar para o arguido se reabilitar, ou tal decisão pode estar relacionada com fatores concretos com o arguido e com a vida – familiar, por exemplo – do mesmo. E o juiz pode considerar que o arguido estará perfeitamente inserido na sociedade, não causará alarme social ou apresentará outra fundamentação, que estará veiculada no acórdão.

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