Silenciosa e cada vez mais presente na vida das famílias, a pobreza menstrual tem vindo a instalar-se por via da crise e da inflação. Um estudo revelado esta quarta-feira, 7 de fevereiro, feito junto de 506 alunas portuguesas dos 14 aos 24 anos, professores, pais e sociedade em geral traz à luz uma realidade que leva raparigas a faltarem à escola e mesmo a procurarem soluções pouco recomendáveis para a saúde íntima para fazer face à menstruação.
Das inquiridas de 18 a 24 anos, 23,5% (ou seja quase 1/4 da amostra) revelou que “já tiveram de recorrer a produtos como lenços higiénicos, lenços, um segundo par de cuecas, algodão, roupa velha ou meias por não conseguirem comprar produtos menstruais e 12% admite já ter faltado às aulas pelo mesmo motivo”, refere o comunicado do estudo levado a cabo pela marca de produtos de higiene íntima Evax, entre 4 de dezembro e 17 de janeiro e que validou 1054 inquéritos completos (somando professores, pais e sociedade em geral).
“‘Envergonhada’, ‘triste’, ‘mal’, ‘suja’, ‘vulnerável’, ‘nojenta’, ‘desconfortável’, ‘inútil’, ‘diferente’, foram algumas das palavras utilizadas pelas raparigas para descrever como se sentiram por faltar às aulas por não poderem comprar produtos menstruais (18% optou por não responder). Para justificar a ausência, mais de metade utilizou a ‘desculpa’ de estar doente e só 9,8% disse a verdade”, lê-se no documento.
Uma realidade que chega agora agravada e da qual já havia ecos claros em maio do ano passado, quando um estudo semelhante feito em Portugal e junto de universitárias dava conta de que uma em cada dez estudantes sentia dificuldades financeiras para adquirir produtos de higiene menstrual, fator que já condicionou a frequência com que trocam de produto menstrual durante os dias de período. De acordo com a análise, ”cinco em cada dez revelavamm saber que gasta mais de 5 euros por mês em produtos de higiene menstrual”, lê-se no comunicado emitido pela marca que elaborou o estudo, a Intimina.
A larga maioria das inquiridas diz optar pelos “tradicionais pensos e tampões descartáveis” que, no entanto, são os mais caros, com 16% a revelar que gasta mais de 10 euros por mês em produtos menstruais”.
Ora, de volta ao inquérito feito junto destas raparigas e conhecido a 7 de fevereiro não será de estranhar que “quase 85% dos portugueses considera existir pobreza menstrual em Portugal e que dois em cada um dos inquiridos (19,1%) conhece um caso de pobreza menstrual”.
“Do total de raparigas inquiridas, duas em cada 10, ou seja, 17,2% dizem conhecer alguém que já faltou às aulas por não conseguir adquirir produtos menstruais, e 25,5% indica que já tiveram amigas que lhes pediram produtos menstruais por não conseguirem comprá-los. Cerca de 10% reconhece ainda já ter escondido o facto de não ter dinheiro para comprar produtos menstruais e 13% admite já ter tido ‘fugas menstruais’ por não ter dinheiro para trocar o penso ou o tampão”, indica a mesma análise.
Os professores, ouvidos neste estudo e conscientes desta realidade, revelaram que já têm ajudado de alguma forma na aquisição de produtos menstruais para alunos em risco de pobreza menstrual, e numa percentagem a rondar os 34,5%. Mais de dois em cada dez (22%) referiram conhecer nas suas escolas situações de raparigas que não podem comprar produtos de proteção menstrual.“Destes, mais de metade reconhece que estes casos acontecem com uma frequência elevada. Quase 10% dos professores inquiridos refere ter alunas que faltam às aulas ou têm de sair da sala de aula por não conseguirem adquirir produtos menstruais. Também 18,2% assumem que já tiveram pais que lhes confidenciaram que não podem comprar produtos menstruais para as suas filhas”, indica o documento.
E as medidas na lei?
Recorde-se que na sequência das eleições legislativas de 2022 e na composição do novo hemiciclo, o PS, PAN e Livre revelaram à Delas.pt quererem trazer o tema da pobreza menstrual para o hemiciclo, com o primeiro a enumerar a medida e o segundo a avançar que tem uma iniciativa para apresentar já em maio, no âmbito deste Orçamento do Estado.
O Livre afirmava que queria promover “a normalização da menstruação junto do público em geral, garantindo que todos e todas que necessitassem tivessem acesso a produtos de higiene íntima (nomeadamente através de dispensadores gratuitos de tampões, pensos e copos menstruais nos centros de saúde, escolas e instituições de ensino superior)”.
Em novembro, a proposta acabaria por integrar o OE2023 por iniciativa do partido Pessoas-Animais-Natureza e para que as autarquias locais e organizações não governamentais distribuíssem de forma gratuita bens de higiene pessoal feminina.
Segundo a proposta, que teve os votos a favor do PS, PAN, Bloco de Esquerda e a abstenção do PSD, Chega, Iniciativa Liberal e PSD, durante o próximo ano, “o Governo desenvolveria, em articulação com as autarquias locais e organizações não governamentais, um projeto-piloto com vista à distribuição gratuita de bens de higiene pessoal feminina, bem como de divulgação e esclarecimento sobre tipologias, indicações, contraindicações e condições de utilização“.
Por outro lado, nessa ocasião foi chumbada a proposta do Bloco de Esquerda que previa a “distribuição gratuita de produtos de recolha menstrual em centros de saúde, escolas, instituições do ensino superior, prisões e junto de populações excluídas socialmente e que, por via dessa exclusão, têm menor contacto com as estruturas públicas de saúde” a partir de 2023.