Porque é que os tops estão mais curtos e os soutiens têm agora mais pano?

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[Fotografia: istock]

Com o verão, todas as peças de roupa encurtam, os desmandos do calor são implacáveis. Por isso, a caminhada fulgurante dos crop tops que encolhem nesta época do ano não é de estranhar. Por outro lado, as peças de lingerie – sobretudo os bralettes – chegam com cada vez mais tecido. Rendas translúcidas, mas cada vez com mais superfície.

Mas o que se está, então, a passar? “O top é o novo soutien, as miúdas, no verão, andam com o corpo à mostra. Se podem ou não, isso é uma decisão que cabe a cada uma, sendo que o importante é cada vez mais a pessoa sentir-se confortável na sua pele”, justifica Gonçalo Peixoto. Para o designer não há dúvida: “é tão fora de moda ter o corpo XPTO, já ninguém pratica esse estereótipo e isso já não se discute”, refere o criador que concebeu bralettes “bem transparentes e curtos, em renda, que esgotaram em quatro dias”.

“Esta apresentação da mulher sexy e delicada, tornou-se mais tarde símbolo de feminismo”, vinca a jornalista de moda e fundadora do webinar Pano Cru, Margarida Brito Paes. Como? “Em 2015, com o feminismo a ser posto em cima da mesa por cada vez mais agentes políticos e culturais, lembro a capa da ELLE Brasil de dezembro de 2015, a sexualização da mulher começou a ser questionada, e esta problematização passou muito pela forma como a roupa devia ou não insinuar o corpo feminino”.

Margarida Brito Paes [Fotografia: Ricardo Gomes]
Margarida Brito Paes [Fotografia: Ricardo Gomes]
Ora, da mulher que procura a imagética e o universo de referências masculinas para alcançar o mesmo patamar de poder emerge “uma nova voltada para um feminismo que exalta o corpo feminino como diferente e algo que deve ser respeitado”, responde a jornalista de moda. Com a chegada do movimento #MeToo, em 2017, surgem as “silhuetas mais reveladoras, trazendo os crop tops para a ribalta, tal como nos anos 70 aquando da revolução sexual”, perspetiva Margarida Brito Paes. Daí que, “as rendas e transparências têm também um crescimento, e as duas acabam por se fundir, chegando a um ponto em que soutiens podem ser usados como crop tops e crop tops podem ser usados como soutiens por baixo de tops que os deixem ver.”

Um processo que Gonçalo Peixoto tem vindo a explorar e fê-lo, em particular, neste tempo de isolamento social e de busca de novos desafios e modelos de negócio para quem pensa e faz moda. “Da mesma maneira que os soutiens têm cada vez mais uma inspiração street, as minhas coleções com renda carregam uma referência superstreet, promovendo o lado sexy.”

Gonçalo peixoto designer
Gonçalo Peixoto [Fotografia: Facebook]
Uma tendência que chegou agora, mas que começou a ganhar corpo há cerca de dois anos e que reuniu força e poder alicerçados no “debate sobre diversidade, aceitação do corpo e gordofobia que tem dominado as redes sociais no último ano”, acrescenta a jornalista de Moda.

Tendência que anda nas passarelles há quase uma década

E se esta ideia chegou agora ao mercado generalizado, certo é que esta ousadia há muito que pisou as passerelles. Ao Delas.pt, a fundadora do webinar Pano Cru, contextualiza isso mesmo. “Na coleção de primavera verão de 2012, a Prada apresentou uma coleção repleta de crop tops, a maior parte deles era apenas uma banda com elásticos, mas alguns eram de renda. A inspiração era o universo das corridas de carros, por isso tinha um lado desportivo, muito ligado aos blocos de cor, mas também tinha um lado muito glam do universo da Formula 1, aqui entra a renda e as pedrarias”, lembra. Ora, prossegue, “era a sintonia perfeita do universo masculino dos anos 50: mulheres e carros.”

Mas as referências não se ficam por aqui porque, recorda a jornalista, “a Dolce Gabbana, na mesma altura, também apostou em crop tops, com estampados de frutas e legumes, muitos deles acompanhado de calções, que faziam lembrar as cintas usadas pelas senhoras também na década de 50 do ano passado. Enquanto isto, marcas como a Valentino, Louis Vuitton e Chanel fizeram as suas apostas em tecidos transparentes, que deixavam ver pele ou peças de lingerie”.

E as referências multiplicam-se. “A Alexander McQueen foi mais longe e expôs mesmo os soutiens como parte das propostas, mas num apontamento mais feminino do que sexy. Nenhuma das tendências surgiu nessa altura, mas nessa primavera todas coabitaram”.

Afinal, olhando bem, multiplicam-se agora no mercado as tendências que se impuseram há cerca de uma década. “No que diz respeito à cultura visual, que muitas vezes é inconsciente, e importante para criar tendências de consumo, a imagem de pele à mostra como parte integrante de um look e a assemblagem de vestuário exterior e interior é muito familiar ao consumidor”.

A importância das celebridades

Ver as Kardashians a usar estas peças ou recordar, como lembra Peixoto, a Paris Hilton nos seus tops sem costas, tudo são coordenadas que imprimem as suas marcas. “As miúdas querem, cada vez mais, seguir uma Kendall Jenner, sempre quase nua ou com crop tops minúsculos. Ou mesmo, na década de 90 do século passado, acompanhando o que vestia a Paris Hilton”, refere o designer.

Margarida Brito Paes evoca as celebridades não como agentes da mudança, mas como as pivôs de uma nova necessidade de consumo acaba de chegar ao mercado. “É inegável o seu poder impulsionador no ato da compra e sua capacidade de tornar uma peça de roupa viral. Mas quando falamos de Moda, enquanto reflexo e reação cultural, é algo muito mais profundo que isso. Não é a Moda que segue as celebridades mas sim o contrário. Neste caso em particular, é uma tendência que reflete o debate dos últimos anos sobre o papel social da mulher, que se foi instalando enquanto fenómeno visual de uma forma tão subtil e permanente que acabou por se transformar numa tendência incontornável”.

A influência da roupa desportiva

Mais curta, com novos materiais e muito prática, a roupa desportiva passou a ser parte integrante e indispensável no armário e no lifestyle saudável das mulheres. E a mistura instalou-se, com a pandemia a acelerar este contrarrelógio. “O universo desportivo e o estilo athleisure levaram a muitas misturas de roupa desportiva com roupa formal. Por isso, é natural que muitos dos crop tops ou soutiens respondam a essa estética. Sendo que o estilo athleisure ganhou ainda mais força depois da quarentena global que o mundo enfrentou, esta pode ser uma tendência para durar, porque as pessoas durante muitos meses tiveram de usar roupa confortável para estar em casa. A procura por fatos de treino nas lojas online disparou durante o período da quarentena”, lembra a fundadora do webinar Pano Cru.

“Às tantas, o top neon com que se treina fica incrível com calça de ganga e um sapato, uma conjugação feita pela desconstrução e que põe em evidência a mistura de ideias e a garantia de que ninguém tem de ser ou quer ser igual a alguém”, justifica Gonçalo Peixoto, lembrando que “ninguém está no mesmo mood”. Por isso, o designer falar em “blazers de renda, casacos com capuz em materiais inusitados porque há dias em que queremos ser diferentes”.

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