Publicidade: “A mulher jovem e atraente como ícone aspiracional é obsoleto”

A Magnum acaba de convocar, para as suas fileiras, Lili Caneças. A marca de gelados optou pela escolha da socialite portuguesa, juntando-a a Iris Apfel, que assina o primeiro contrato com uma agência, a três anos de completar cem anos. Mas não faltam exemplos recentes de mulheres mais velhas na publicidade. Que o diga a Chanel, que acaba de voltar a contratar Ali MacGraw – a musa do perfume Chanel 5 dos anos 60 e 70 do século passado – para dar a cara pela nova coleção de relógios. E os casos prosseguem: Jane Fonda, Helen Mirren, Céline Dion e, entre outros, a portuguesa Helena Isabel. Todas para marcas de produtos de beleza.

Está a publicidade rendida aos rostos mais velhos ou os mercados precisam deles para chegar ao seu público? Mafalda Quintela, criativa e a primeira na linha da frente a trabalhar com as marcas na conceção de campanhas, explica ao Delas.pt que “o estereótipo de que a publicidade só mostra a mulher jovem e atraente como ícone aspiracional é obsoleto”.

Se Sónia Marques, semioticista, pede mais “realismo”, é disso mesmo que Quintela, criativa agência The Hotel, fala. “As pessoas tendem cada vez mais a relacionar-se com a realidade e se uma mulher mais velha pode ser aspiracional ou relevante para o posicionamento do produto, não há razão nenhuma para não protagonizar a comunicação de uma marca”.

“De facto, as mulheres de idade avançada têm sido afastadas da generalidade da publicidade. Mesmo quando se vendem produtos e serviços cujos utilizadores são, na generalidade, pessoas mais velhas (como serviços bancários orientados para reformados), exibem-se modelos jovens ou pessoas de média idade com comportamentos de pessoas jovens (a correm ou a andarem de bicicleta)”, analisa a semioticista Sónia Marques.

Como a eterna juventude pôs a meia idade em crise

Para esta responsável da empresa Indiz e especialista em analisar mensagens de consumo, não há dúvidas de que “a publicidade veicula o chamado ‘mito da eterna juventude’ e diz às audiências o que é suposto ser jovem ou, em alternativa, é suposto ‘parecer jovem’. Ser velho não tem sido opção”, acrescenta. “E a esperança média de vida não é, felizmente, de 35 anos!”

Produtos de beleza e mulheres mais velhas: afinal, quais são os motivos?

“Talvez o fortalecimento da ideia de que a beleza não tem faixa etária e de que, cada vez mais, as mulheres se querem sentir bem na sua pele independentemente da idade” leve a esta procura por parte das companhias, avança a criativa. É para esse progresso que Sónia Marques quer olhar como algo de positivo para o futuro. “Este princípio da mudança na representação mediática é um passo importante para dar o direito às mulheres de assumir que o tempo as altera e as convidar a aceitar o curso biológico”, prevê.

“Há, talvez, uma preocupação tendencialmente maior das marcas em serem mais inclusivas e igualitárias”, diz Mafalda Quintela

Mas Mafalda enumera outros argumentos que vão para lá dos recursos financeiros que a meia-idade e os mais velhos possam ainda ter disponíveis e face às mais novas gerações. “Se uma marca quiser ser, por exemplo, mais próxima ou mais verdadeira, mais familiar ou mais madura – enfim, se um target mais velho incorporar algum desses valores – pode fazer sentido integrá-los na sua comunicação mesmo que o produto não se destine especificamente a uma idade ou género”, refere a criativa, que nota mudanças no setor. “Há, talvez, uma preocupação tendencialmente maior das marcas em serem mais inclusivas e igualitárias”, afirma, considerando que tal se reflete porque “caminhamos para uma sociedade que também o quer ser e a publicidade deve ser reflexo disso, da realidade que se vive e se persegue”.

Tendência: cabelos grisalhos, tricô e bolachas

Quer Sónia, quer Mafalda admitem que a inclusão de mulheres – e homens, também – cada vez mais velhas na publicidade pode vir a ser mais recorrente. “Com uma população cada vez mais envelhecida e com qualidade de vida até mais tarde, tal poderá levar as marcas para o caminho natural de se dirigirem e representarem também targets mais velhos”, diz a criativa.

A semioticista, por seu turno, acrescenta exemplos: “A valorização do envelhecimento sadio já se nota, hoje, na recém valorização do cabelo grisalho (a adoção de tintas grisalhas por parte de pessoas mais novas) e na adoção de velhos hábitos de tricotar e de fazer bolachas.”

“A mudança demográfica está a fazer-nos ser menos idadistas, a prezar um pouco a diversidade etária”, diz Sónia Marques

Curiosamente, no Japão, a Pantene apostou numa bebé de dois anos com farta cabeleira para anunciar os seus produtos, mas não abdicou de continuar a contar com a apresentadora Sato Kondo – de cabelo cinzento – para continuar a ser o rosto da marca. “O ‘silver is beatiful’ (o prateado é bonito, em tradução literal) é exemplo de uma transcodificação”, prossegue Marques. “Costumamos valorizar a juventude. Porquê? O nosso medo da mortalidade leva-nos a idealizar a juventude. O consumo está e sempre esteve muito ligado ao mito da juventude. Mas a mudança demográfica está a fazer-nos ser menos idadistas, a prezar um pouco a diversidade etária e, especificamente, a atenuar o preconceito contra a idade avançada das mulheres”, refere.

Portanto, não restam dúvidas de que começa a ser tempo de acabar com o esquema dos dois pesos e das duas medidas: “Os homens convivem bem com o envelhecimento, enquanto as mulheres são castigadas por isso mesmo, não podem envelhecer, o que, convenhamos, deve ser considerado um direito fundamental”.

O regresso de velhas glórias, agora no feminino e a moda

Embora a recuperação de caras icónicas – em jeito de comeback, agora reformulado – para as marcas de sempre fosse mais comum no seio do mundo masculino, há indícios de que as mulheres estão também a entrar neste território. E o melhor exemplo disso mesmo é, para Marques, o caso recente da Chanel com Ali MacGraw. “Aqui a marca está a selecionar uma modelo de idade avançada para vender intemporalidade. Ou seja, existem marcas que, para relatarem sobre o tempo, exibem uma pessoa com longevidade”, refere a semioticista.

Ora, assim sendo, fica claro, ainda de acordo com a especialista, que “a originalidade é a de ser uma mulher a fazê-lo e de a marca ter superado o tabu do envelhecimento feminino”, piscando o olho a uma realidade que tem sido maioritariamente masculina.

No entanto, para lá de haver pessoas mais velhas no mundo da pub, a semioticista sublinha casos de marcas que puxam para a frente aos rostos femininos mais novos, maquilhando-os e vestindo-os como se fossem mais velhos. “O exemplo do El Corte Inglès que, muitas vezes, apresenta mulheres jovens vestidas e penteadas como se fossem mais velhas e, assim, endereça o público de idade avançada, apresentando uma comunicação que dá a ilusão de que ‘o seu tempo, ainda é o tempo de hoje’.

A especialista antecipa que “o mundo da moda irá incorporar esta nova bandeira” e é possível poder vir “a assistir ao regresso dos modelos de sapatos dos anos 40 e aos chapéus e penteados dos anos 50 e 60”. E arrisca mesmo em ir mais longe ao preconizar “uma valorização de um estilo de vida lento e ao surgimento de, por exemplo, cursos de caligrafia com canetas de aparo”.

Imagem de destaque: DR

“Mulheres de 50 anos têm ainda muito mais para viver do que já viveram”

Cláudia Raia em biquíni e pelas mulheres de 50 anos