14 menores mudaram nome e género desde a entrada da lei

Num ano, 171 pessoas das quais 14 menores de idade alteraram o nome e o género nos documentos de identificação. Estes são os números registados até esta quarta-feira, 7 de agosto, dia em que se assinala o primeiro ano sobre a publicação e entrada em vigor da Lei da autodeterminação da identidade de género.

“Significa um aumento interessante de exercício desse direito”, analisa Rosa Monteiro. No entanto, a secretária de Estado para a Igualdade e Cidadania vinca que “há um trabalho a fazer”, até porque se trata de um “caminho que não se faz sozinho”.Uma empreitada que passa por “garantir a proibição de discriminações” e que a secretária de Estado reconhece ter existido neste primeiro ano.

Incidentes que passaram, por exemplo, pela exigência do documento anterior quando o novo já existia. “Isso sucedeu ao nível dos Serviços Consulares, uma ou outra situação do ministério da Defesa e outros setores“, explica a responsável política ao Delas.pt. No primeiro caso, revela a secretária de Estado, foi emitido um conjunto de procedimentos para acomodar a lei, mas apenas sete meses depois da entrada em vigor. “Já em março, a Direção-Geral dos Assuntos Consulares emitiu uma nota a todos os postos para que soubessem lidar com a alteração”, afirma a responsável pela pasta da Cidadania.

Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, Rosa Monteiro [Fotografia: Leonardo Negrão/Global Imagens]
Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, Rosa Monteiro [Fotografia: Leonardo Negrão/Global Imagens]
E se no plano público houve dificuldades na acomodação da lei, como refere a responsável, no plano social também há relatos. “Ao nível de mercado de trabalho, há situações que nos reportam a discursos de ódio a raparigas e mulheres lésbicas, bullying homofóbico e interfóbico”. “Tem havido uma profunda ligação das Organizações Não Governamentais, o que nos foi possibilitando, durante este período de implementação da Lei, de ir conhecendo alguns casos – poucos, felizmente – de situações mais difíceis que estavam a existir”, conta Rosa Monteiro.

A secretária de Estado reconhece, contudo, que “são espaços de grande risco e tudo isto leva a uma atitude de capacitação das associações e coletivos”. Por isso, ainda que a “Lei garanta a autodeterminação, nenhuma faz esse caminho sozinha, faz-se com formação, faz-se na educação. Trabalhamos e sempre que há um problema, procuramos intervir rapidamente”.

“É preciso eliminar questões burocráticas em todos os serviços”, diz Rosa Monteiro

O que é que tem correr melhor, então? “É preciso conhecimento e compreensão das discriminações vividas por crianças, jovens e adultos trans e interesexo e das suas famílias e eliminar questões burocráticas em todos os serviços, públicos e privados”, sintetiza a secretária de Estado.

Saúde e educação. O que está por fazer?

Mas se o processo passou a ter novos requisitos e prazos bem definidos pela lei, há, contudo, outras áreas que vivem a outras velocidades. Uma das questões que se tinha colocado aquando da discussão à alteração à lei prendia-se com a capacidade de resposta e meios das unidades públicas para acompanhar estes casos.

Sobre o tempo de espera para tratamentos e cirurgias, Rosa Monteiro não especifica que alterações tiveram lugar neste ano, mas refere que “há medidas que têm em vista a capacidade de resposta na saúde” e que “a ótica é a de que os serviços, e sobretudo o Serviço Nacional de Saúde, agilizem as suas respostas”.

“A ótica é a de que os serviços, e sobretudo o Serviço Nacional de Saúde, agilizem as suas respostas”, explica Rosa Monteiro

“Temos várias respostas especializadas, em maio/junho foi apresentado o primeiro volume da estratégia da saúde para pessoas LGBTI e maior eficiência dos serviços para atendimento de pessoas intersexo e trans, e temos recebido bons feedbacks. Há orientações clínicas e de salvaguardar os direitos das pessoas e das suas necessidades, há maior consciencialização dos problemas e campanhas como a do ‘Direito a Ser’ tem travado e devem continuar a travar a batalha do desconhecimento”, enumera Monteiro.

No que à educação diz respeito, a responsável política fala, neste último ano, em “trabalho de formação, capacitação e estratégia da educação para a cidadania de forma a que todos os profissionais estejam capazes de compreender e lidar com pessoas LGBTI. Há um trabalho de várias ONGs que operam e trabalham com escolas, muitas vezes a pedido das próprias, no sentido de darem maior resposta e diminuir o sentimento de insegurança de crianças e jovens”.

Rosa Monteiro descarta novas mexidas nos planos da disciplina para a Educação e Cidadania respeitantes a esta matéria e já para este ano letivo, mantendo-se em vigor o que tem vindo a estar definido nos planos.

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Sobre o pedido de fiscalização sucessiva de parte da norma que vem determinar adoção de medidas no sistema educativo sobre identidade de género, entregue a 19 de julho por 85 deputados do PSD e CDS ao Tribunal Constitucional, a responsável política não se pronuncia. “Não vou comentar esse pedido. Estamos concentrados em criar todas as condições e efetivação de direitos das pessoas LGBTI e das suas famílias. A lei está em vigor e o que nos cabe é garantir que estes direitos consagrados são direitos humanos e de não discriminação”, justifica.

Formação, rede de apoio e um estudo para breve

Porque “a lei por si só não garante todo o processo”, a secretária de estado fala em “intervenções complementares”. “Ainda este ano vai ser lançado um estudo sobre as necessidades LGBTI e que reúna experiências de discriminação, que permita conhecer as realidades destas pessoas e que está previsto no Plano de ação para o combate à discriminação em razão da orientação sexual, identidade e expressão de género, e características sexuais”, anuncia Rosa Monteiro.

Entre as medidas que estão em curso, a secretária de Estado fala de “uma rede nacional de apoio às vitimas LBGTI com 32 profissionais formados no Porto e no Centro”, na existência de “mecanismos de apoio e denúncias de casos”.

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“Em articulação com o Ensino Superior e com o ministério correspondente, estamos a fazer um esclarecimento para que não se exijam documentos que não são necessários. Há todo um trabalho que se está a fazer nos vários setores, com as polícias e as forças de segurança, e já foram formados 29 profissionais a a partir do manual Policiamento de Crimes de ódio contra Pessoas LGBTI – feito em parceria com o Conselho da Europa – para que as forças de segurança saiba atuar nestes casos”, acrescenta a responsável. .

Mais de 700 pessoas alteraram nome e género desde 2011

De acordo com dados avançados pela responsável, foram 204 as pessoas, das quais 12 menores, que alteraram os seus documentos, em 2018. No ano anterior, explicou ainda Rosa Monteiro, tinham sido 145 adultos. Números que somam, desde 2011, 743 pessoas.

Olhando para os valores mais recentes, Rosa Monteiro fala um “aumento que foi dado pelo impulso da lei e que acontece desde o reconhecimento de que é um grande avanço, juntando Portugal a poucos países do mundo como Malta e Argentina. Coloca Portugal numa posição muito favorável nesta matéria”, contextualiza a secretária de Estado.

Recorde-se que a nova formulação da lei, que entrou em vigor a 8 de agosto de 2018, veio permitir a qualquer menor com mais de 16 anos alterar o seu género e nome nos documentos de identificação. E se antes era requerido um relatório que comprovasse o diagnóstico de disforia de género, no ano passado passou a ser apenas exigido um relatório médico que atestasse que o menor estava consciente da sua decisão. Um requisito feito pelo presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

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